segunda-feira, 10 de junho de 2013

Série de entraves limita uso da energia eólica no Brasil

Falta de planejamento e de linhas de transmissão estão entre problemas que impedem avanço de alternativa 'limpa' e de fonte renovável.

Críticos afirmam que governo toma apenas medidas imediatas para lidar com problemas emergenciais no setor energético (Foto: BBC)
Críticos afirmam que governo toma apenas medidas
imediatas para lidar com problemas emergenciais
no setor energético (Foto: BBC)

De qualquer lado que se olhe, o setor eólico no Brasil é um dos mais promissores na área energética, segundo analistas e levantamentos recentes.
As condições de clima e relevo e os avanços tecnológicos fizeram com que o Global Wind Energy Council, que agrupa organizações e empresas do setor, elegesse o Brasil como um dos países de maior potencial na geração de energia pelo vento.
Sua participação na matriz energética brasileira deve obter o maior crescimento entre as diversas fontes de energia, saltando dos atuais 2% para 8% em oito anos, segundo Maurício Tolmasquim, presidente Empresa de Pesquisa Energética (EPE).
Além disso, o uso do vento para gerar energia no país cresceu 73% em 2012, beneficiando 5 milhões de brasileiros por mês. E a discussão sobre as fontes eólicas ganharam ainda mais fôlego no início do ano, quando, diante de baixos níveis de reservatórios nas hidrelétricas, o país passou pelo risco de novos apagões ou racionamento. Para lidar com o problema, o governo usou as termoelétricas em caráter emergencial.
No entanto, esse recurso foi criticado por ser uma fonte de energia fóssil, por isso não renovável, poluente e de geração mais cara. Segundo um levantamento feito pela ONG ambiental Greenpeace na época, cada real gasto para operar as usinas térmicas poderia fornecer cinco vezes mais de energia se ela fosse gerada em campos eólicos.
Mas apesar dos argumentos ambientais e econômicos favoráveis, uma série de entraves continuam limitando a expansão da energia eólica e deixam seu aproveitamento no país muito aquém de todo seu potencial.
Confira alguns dos empecilhos:
Falta de planejamento a longo prazo
Mudanças em cima da hora, medidas imediatas apenas para lidar com problemas emergenciais e falta de transparência para as determinações futuras são alguns dos temores dos envolvidos na área de energia renováveis.
"O setor eólico é uma indústria nascente, precisa de fôlego, não pode ser algo que começa e depois é interrompido, pois isso pode ser fulminante", afirmou Elbia Melo, presidente-executiva da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica) à BBC Brasil.
Para ela, sem sinais claros do governo, o investimento a longo prazo vai arrefecer. "E isso poderia fazer esse indústria morrer antes mesmo de seu nascimento para valer."
Na opinião do professor Ildo Luis Sauer, diretor do Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP, o potencial competitivo da energia eólica no Brasil é desperdiçado justamente por uma falta de planejamento e coordenação do governo.
"Um mapeamento eólico detalhado, por exemplo, organizaria melhor os investimentos e se criaria escala", afirma o engenheiro, que foi diretor de Gás e Energia da Petrobras entre 2003 e 2007. "Mas o planejamento hoje é volátil e volúvel, além de termos uma estrutura pouco funcional, como órgãos demais atuando sobre o mesmo setor."
Em nota enviada à BBC Brasil, o Ministério de Minas e Energia afirmou que "o Centro de Pesquisas de Energia Elétrica tem trabalho na revisão do Atlas Eólico existente".
Insuficiência nas linhas de transmissão
Depois de ser gerada nos campos eólicos, a energia depende de linhas de transmissão para chegar aos consumidores. O que, na prática, parece lógico, na teoria não é tão claro assim. Atualmente, essas redes não são de responsabilidade das mesmas empresas que mantém os parques em si. E isso vem gerando uma falta de sincronia nos prazos de entrega.
"O problema das linhas de acesso é um enorme entrave. O prazo de três anos para um empreendimento (estipulado em muitos leilões) acaba sendo curto, já que com todos os trâmites, o tempo real de construção acaba sendo menor que três anos", afirma Ricardo Baitelo, coordenador da Campanha Clima e Energia do Greenpeace Brasil.
Um bom exemplo desse cenário ocorre no Nordeste, onde três usinas estão prontas, mas sem gerar energia há quase um ano por falta de linhas.
Essa falta de sincronia na região - que abriga 60 das 92 usinas eólicas - provoca um desperdício de energia que, por sua vez, representa um prejuízo para o governo que já ultrapassou os R$ 260 milhões, segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Esse é o valor que o governo já pagou às empresas, uma vez que elas entregaram o empreendimento no prazo.
Além disso, de acordo com a Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica) essa produção desperdiçada seria suficiente para abastecer, por mês, cerca de 3,3 milhões de habitantes.
Questionado, o Ministério de Minas e Energia afirmou que vai implementar alterações nesse modelo no próximo leilão do setor, que está marcado para agosto. "No intuito de promover a redução de incertezas quanto ao escoamento da geração eólica contratada no Ambiente Regulado, o Leilão de Reserva apresentará consideráveis mudanças na sistemática adotada", afirma a nota do ministério, esclarecendo que o trâmite agora será feito em duas fases, atrelando às concessões à capacidade de distribuição.
Baixo investimento em pesquisas e desenvolvimento tecnológico
"Depois da descoberta do pré-sal, o investimento não apenas em eólica, mas em todas as outras energias renováveis diminuiu no país", afirma o professor do departamento de energia da Unesp José Luz Silveira. "Também não há subsídio do governo, especialmente aos pequenos produtores, como acontece na Europa."
Baitelo, do Greenpeace, concorda que a prioridade é para o petróleo, se compararmos como qualquer outra área do campo energético.
"Na academia, se vê uma produção maior em temas ligados ao pré-sal do que à energia eólica ou fotovoltaica", afirma, acrescentando que mais investimentos nesse setor poderia, por exemplo, desenvolver turbinas mais apropriadas para os ventos brasileiros.
Escolha por carvão
De acordo com os especialistas ouvidos pela BBC, o governo indicou no início do ano que gostaria de ter mais termoelétricas para complementar sua matriz e garantir o abastecimento. "Pudemos ver que o lobby do carvão se organizou e nessa ocasião acabou conseguindo o que queria", afirma Baitelo.
"Esse é o momento de equilibrarmos a matriz e darmos mais espaço para as térmicas", disse Tolmasquim, da EPE, ao anunciar no mês passado a contratação de usinas termoelétricas no leilão que contratará a demanda das distribuidoras a partir de 2018. O anúncio causou euforia no setor das carvoarias. Uma das empresas líderes neste mercado, a Tractebel, do empresário Eike Batista, divulgou que estudaria incluir seus projetos no leilão.

 

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